domingo, 24 de maio de 2015

Bruna Lombardi



INTRANSITIVO


A carne anda cada vez mais fraca
e o silencio cada vez mais comprometedor
cômicos somos nós que estamos falando sério
e pobres são todos, de uma pobreza irremediável
de uma doença incurável, apesar de todos os esforços
da medicina, da psicoterapia, da parapsicologia
quando a única solução seria um sortilégio.
Há políticas bastantes para não pensarmos em nada
e condicionamento suficiente para termos a ilusão de que pensamos
de que somos livres e vivemos como queremos.
Temos vontades baratas: um novo par de sapato
um pouquinho mais de espaço para alongar as pernas
e se possível mais tempo pra reclamar da vida.
Ah, deveríamos desobedecer secretamente a nós mesmos,
imitar um pouco mais os bichos
inventar qualquer forma mais pura
do que esta selvageria civilizada
do que este progresso cheio de violência
do que esta racionalidade que não deu certo.
Meu irmão, o absurdo somos nós.



PARA QUE SEJAMOS NECESSÁRIOS



Transfere de ti para mim essa dor
de cabeça, esse desejo, essa violência.
Que careça em ti o meu excesso
e que me falte o que tu tens de sobra.

Que em mim perdure o que te morre cedo
e que te permaneça o que tenho perdido.
Que cresça, se desenvolva um teu sentido
que em mim desapareça.

Dá-me o que de possuir tu não te importas
e eu multiplico o que te falta e em mim existe
para que nosso encaixe forme uma unidade -indivisível-
que não se possa subtrair uma metade.



ALTA TENSÃO

Eu gosto dos venenos mais lentos
dos cafés mais amargos
das bebidas mais fortes
e tenho
apetites vorazes
uns rapazes
que vejo
passar
eu sonho
os delírios mais soltos
e os gestos mais loucos
que há
e sinto
uns desejos vulgares
navegar por uns mares
de lá
você pode me empurrar pro precipício
não me importo com isso
eu adoro voar.



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