quinta-feira, 3 de março de 2011

Sonetos de JGde Araujo Jorge- meus preferidos

"Espera..."

Se tivesse mandado uma palavra: -"espera!"

Sem mais nada, nem mesmo explicar até quando,
eu teria ficado até hoje esperando...
- era a eterna ilusão de que fosses sincera...

Que importa a vida, o Sol, a primavera,

se eras a vida, o Sol, a flor desabrochando?
Se tivesses mandado uma palavra: -"espera!"
eu teria ficado até hoje esperando...

Não mandaste, tu nada disseste, e eu segui

sem saber que fazer da vida que era tua
procurando com o mundo esquecer-me de ti...

E afinal o destino, irônico e mordaz,

ontem, fez-me cruzar com o teu olhar na rua,
ouvir dizer-te: -"espera!..."E ser tarde demais...

J. G. de Araujo Jorge 

"Caminheiro"

Eu ando pela vida à procura de alguém

que saiba compreender minha alma incompreendida,
alguém que queira dar-me a sua própria vida
como eu lhe dar pretendo o meu viver também...

Caminheiro do ideal - seguindo para o além

vou traçando uma rota estranha e indefinida,
- não sei se em minha estrada hei de encontrar guarida,
ou se eterno hei de andar, sem rumo e sem ninguém.. .

Já me sinto cansado... E em vão ainda caminho

na ilusão de encontrar um dia a companheira
que me ajude na vida a construir meu ninho...

Boemia do destino!... Hei de andar... hei de andar...

até que esta minha alma errante e aventureira
descanse numa cruz cansada de sonhar!...

J. G. de Araujo Jorge

"Coração Solitário"

A noite esta fechada na janela aberta.

Uma rua perdeu-se na sombra lá embaixo.
Não existe esta rua - é um beco surrealista
que fugiu de algum quadro louco que não vi.

Ouço meu coração ardente e solitário

com sua música estranha de piano bêbado.
No espelho, meu olhar: duas chamas de estrelas.
Não sei se é o vento, sei que há música na noite.

Há música no quarto, nas cortinas, música

nos meus cabelos despenteados, nos meus dedos,
no meu rosto, entra e sai pela janela.

Música indefinida a encher a solidão:

- estou no ventre da noite a mexer com os meus sonhos
ouço o meu coração ardente e solitário.

J. G. de Araujo Jorge 

"Espiritualidade"

É no sonho que o amor engrandece o seu mundo

para morrer depois nos sentidos exausto...
Nasce, como o de Comte e Clotilde, profundo,
morre, feito desejo, na expressão de um Fausto!

Mais sublime talvez, talvez menos fecundo

antes da posse, é apenas perfume... luz... hausto...
- até que atinge o instante imortal de um segundo
em que a ele ofertamos tudo em holocausto!

O que possui de grande, esplêndido, complexo,

está, nessa afeição mais do homem que da fera,
mais do Ser propriamente que do próprio sexo...

Está mais na visão do que se imaginou

- e é por isso que o amor maior é o que se espera,
e eterno, é o que se espera... e nunca o que chegou!...

J. G. de Araujo Jorge 

"Esta Saudade"

Esta saudade és tu... E é toda feita

de ti, dos teus cabelos, dos teus olhos
que permanecem como estrelas vagas:
dos anseios de amor, coagulados.

Esta saudade és tu... É esse teu jeito

de pomba mansa nos meus braços quieta;
é a tua voz tecida de silêncio
nas palavras de amor que ainda sussurram...

Esta saudade são teus seios brancos;

tuas carícias que ainda estão comigo
deixando insones todos os sentidos.

Esta saudade és tu... é a tua falta

viva, em meu corpo, na minha alma, viva,
... enquanto eu morro no meu pensamento.

J. G. de Araujo Jorge 

"Maldade"

Tu podes ser igual a todo o mundo

teres defeitos mais que toda a gente,
- que importa ? se este amor cego e profundo
teima em dizer que te acha diferente!

Para mim (eu que te amo como um louco)

os que falam de ti são línguas más,
- ah! todo o amor que te dedico é pouco
e é sempre pouco o amor que tu me dás!

Sou a sombra que segue os teus desejos

e aos teus pés, numa oferta extraordinária
a minha alma vendeu-se por teus beijos...

Falam de ti... Escuto-os... Fico mudo...

Quanta maldade cruel, desnecessária
se eu já sei quem tu és... se eu sei de tudo!

J. G. de Araujo Jorge 

José Gulherme de Araújo Jorge
Nasceu em 20 de maio de 1914, na Vila  Tarauacá no estado do Acre. 
Foi conhecido como o Poeta do Povo e da Mocidade, pela sua mensagem social e política e por sua obra lírica, impregnada de romantismo moderno, mas às vezes, dramático.
Foi um dos poetas mais lidos, e talvez por isto mesmo, o mais combatido do Brasil.
Faleceu em 27 de Janeiro de 1987.

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