domingo, 30 de outubro de 2011

Degustação de vinho em Minas por Luiz Fernando Veríssimo


DEGUSTAÇÃO DE VINHO EM MINAS 

- Hummm... 

- Hummm...

- Eca!!!

- Eca?! Quem falou Eca? 

- Fui eu, sô! O sinhô num acha que esse vinho tá com um gostim
istrannn?

- Que é isso?! Ele lembra frutas secas adamascadas, com leve toque
de trufas brancas, revelando um retrogosto persistente, mas sutil, que
enevoa as papilas de lembranças tropicais atávicas... 

- Putaquepariu sô! E o sinhô cherô isso tudo aí no copo?!

- Claro! Sou um enólogo laureado. E o senhor? 

- Cebesta, eu não! Sou isso não sinhô!! Mas que isso aqui tá me
cherano iguarzinho à minha egüinha Gertrudes depois da chuva, lá
isso tá!

- Ai, que heresia! Valei-me São Mouton Rothschild! 

- O sinhô me descurpe, mas eu vi o senhor sacudindo o copo e infiano
o narigão lá dentro. O sinhô tá gripado, é ?

- Não, meu amigo, são técnicas internacionais de degustação
entende? Caso queira, posso ser seu mestre na arte enológica. O
senhor aprenderá como segurar a garrafa, sacar a rolha, escolher a
taça, deitar o vinho e, então... 

- E intão moiá o biscoito, né? Tô fora, seu frutinha adamascada! 

- O querido não entendeu. O que eu quero é introduzi-lo no... 

- Ma num vai introduzi mais é nunca! Desafasta, coisa ruim! 

- Calma! O senhor precisa conhecer nosso grupo de degustação. Hoje,
por exemplo, vamos apreciar uns franceses jovens... 

- Hã-hã... Eu sabia que tinha francêis nessa história
lazarenta... 

- O senhor poderia começar com um Beaujolais! 

- Num beijo lê, nem beijo lá! Eu sô é home, safardana! 

- Então, que tal um mais encorpado? 

- Óia lá, ocê tá brincano com fogo... 

- Ou, então, um suave fresco! 

- Seu moço, tome intento, que a minha mão já tá coçano de
vontade de meter um tapa na sua cara desavergonhada! 

- Já sei: iniciemos com um brut, curto e duro. O senhor vai gostar! 

- Num vô não, fi dum cão! Mas num vô, messs! Num é questã de
tamannn e firmeza, não, seu fióte de brabuleta. Meu negócio é
outro, qui inté rima com brabuleta... 

- Então, vejamos, que tal um aveludado e escorregadio? 

- E que tal a mão no pédoreia, hein, seu fióte de Belzebu? 

- Pra que esse nervosismo todo? Já sei, o senhor prefere um duro e
macio, acertei? 

- Eu é qui vô acertá um tapão nas sua venta, cão sarnento!
Engulidô de rôia! 

- Mole e redondo, com bouquet forte? 

- Agora, ocê pulô o corguim! E é um... e é dois... e é treis!
Num corre, não, fidaputa! Vorta aqui que eu te arrebento, sua bicha
fedorenta!... 

LUIZ FERNANDO VERíSSIMO 

 
  
Ocê gósde vinho?

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